segunda-feira, 27 de abril de 2015

Serra Encantada - Santa Brígida - Bahia

                A história começa com algumas conversas animadas durante treinos e escaladas com Emerson que já havia visitado a serra... logo pesquisamos mais sobre o local, acesso, altura e em poucos dias já estávamos convencidos que esta seria uma empreitada que valeria a pena.
Faltava convencer dois comparsas pra participar da empreitada, o que também não foi difícil, então já éramos quatro, André, Emerson, Heitor e eu (Odorico).  Logo tudo já estava pronto equipamentos, barracas, comida e água... muita água.

                Saímos dia 17 de Abril no horário marcado sem contratempos, quase um milagre nessas trips. Chegamos em Santa Brígida por volta do meio dia, almoçamos fizemos contato com um grupo local que nos orientou um pouco sobre trilhas de acesso e contou algumas histórias sobre tentativas de ascensão, lendas sobre espíritos que vagam na serra à noite, daí o nome Serra Encantada.


Primeira visão da Serra Encantada.

                Lendas a parte, seguimos ao nosso destino, após algum tempo de reconhecimento chegamos num sítio que parecia ideal para montar acampamento e dali seguir para a escalada, ali conhecemos o proprietário Seu Zé, uma figura ímpar dessas que agente só conhece nesse sertão. Logo nos ofereceu abrigo, água, sombra e cadeiras. Quando explicamos da nossa intenção de escalar a serra ele se empolgou, nos passou todos os betas sobre toda a escalada, seu Zé já subiu, solando sem corda, algumas vezes mas sabe como é aos seus setenta e tantos anos já não dá mais pra repetir a cadena. Seu Zé nos levou até a base da serra com uma disposição invejável, subida forte de uma hora debaixo de sol forte.



Seu Zé passando os "betas".

                Reconhecemos a base olhamos as linhas e decidimos iniciar a subida pela linha da chaminé mais óbvia. Emerson e André tocaram a primeira cordada toda em móveis chegando na entrada da segunda chaminé, ali Emerson já no escuro encontrou um bloco gigante entalado, montou a parada e rapelou. A noite churrasquinho e boas risadas na beira da fogueira com um céu de estrelas daqueles que agente só testemunha longe das luzes da cidade.

                No sábado Heitor e eu entramos na parede as sete horas repetimos a primeira enfiada e iniciamos a segunda cordada, uma chaminé perfeita com uma fenda de dedo pra proteger, na metade da cordada tivemos uma surpresa, um píton que estava mais pra talhadeira de uns 10 anos atrás bem batido na fenda, não tive dúvida coloquei um cordelete e costurei... kkk.



No sábado iniciando os trabalhos.

                A segunda cordada terminou numa parada natural laçando um bico de pedra, Heitor subiu limpando e tocamos a terceira esticadinha de uns 15 metros num positivo meio exposto cheio de vegetação onde só achei lugar pra uma peça até o platô e lá uma fenda horizontal onde montamos a parada. André e Emerson subiram logo atrás com a furadeira e chegaram ao platô por volta do meio dia, conversamos e infelizmente devido a minha febre e mal estar resolvi descer dali e a galera pra não me deixar desceu junto. Montamos uma parada e rapelamos.



Galera reunida no platô.

                Foi uma bela empreitada que abriu nossos horizontes quanto a escalada em móveis, arenito, logística, nos rendeu excelentes risadas e claro fica o convite pra retornar em breve e finalizar o cume.




A via - Chaminé Febril - 4osup D1 E1 - 60m
1 Jogo de Cam's #0,3 - #3, Nuts, Tricams (Abalacs)


Em breve disponibilizaremos o croqui detalhado.

sábado, 11 de abril de 2015

Reflexão sobre intervenção em vias



A edição 133 de out-2013 do Moutain Voice http://mountainvoices.com.br/mv133.pdf apresentou um artigo sobre interverções em vias de escala. Naquela época eu escrevi uma pequena dissertação sobre o tema e agora, por motivos aleatórios, resolvi publicá-la.


Obra de arte ou engenharia?

      Refletindo um pouco sobre a polêmica intervenção em vias, creio que o ponto central da discussão esteja em estabelecer a definição de via de escalada. Uma via é uma obra de arte ou uma obra de engenharia?  Ou ainda uma combinação das duas? Ou ainda, uma via pode nascer  como obra de arte e com o tempo vire uma obra de engenharia, pois necessita de manutenção.  Bem, minha ideia é estabelecer uma discussão em cima disso.
      Ninguém imagina que as obras de Oscar Niemeyer sejam eternas da mesma forma que uma ponte e um viaduto o sejam. Ambas precisam de manutenção, mas se for assim, o que diferencia um da outra?  Obras de arte foram concebidas dentro de num padrão que deve ser respeitado ao máximo quando passa por restauração.  Pensem nas obras de Aleijadinho, nos monumentos de praça publica, em pinturas expostas no MASP. Qualquer restauração deve ser fidedigna a proposta original. Imagino que um restaurador estuda por anos técnicas de restauração, bem como a historia e o estilo do criador de uma obra de arte e passa por milhares de horas de trabalho sob a supervisão de um mestre até se gabaritar como restaurador.  
Por outro lado, quando uma obra publica apresenta problemas o que os gestores fazem? (ou deveriam fazer?) Contratam uma firma de engenharia para estabelecer um laudo técnico que irá balizar a recuperação da obra publica, seja na sua forma original ou em sua total desconstrução para dar lugar a algo mais moderno e eficiente. Ou seja, em ambos os casos, as manutenções devem ser feitas.
      Vamos qualificar obras de engenharia e obras de arte. Arte individual, engenharia coletiva. Arte é emoção, engenharia razão. Arte é apreciada, a engenharia usada. Arte lado direito do cérebro, engenharia lado esquerdo. Arte, por menor que seja,  você pode apreciar por horas, engenharia, por maior que seja, você usa rapidamente e ás vezes nem nota.  Arte para ser apreciada no todo para ser completa, uma obra de engenharia pode ser usa apenas a parte útil para você naquele momento.
      Ambas pertencem ao estado, são de domínio publico. O “pecado” da via de escalada é que nunca foi “notada” pelo estado, é esquecida e não pertence a ninguém.  Talvez esteja ponto crucial da questão.  As vias devem ser registradas como patrimônio público. Quem quiser modificar ou dar manutenção deve solicitar permissão formal ao órgão gestor que pode ser associação de montanhismo ou entidades congêneres.  Quem resolver fazer alguma alteração em alguma via, sem permissão, deve arcar com as consequências, talvez,  como punições a danos ao patrimônio publico.
      Claro que de tempos em tempos as vias de escalada precisam passar por alguma manutenção. Porém, a  forma como esta deve ser feita, ou recuperada ao seu estado original ou desconstruída para dar espaço a algo novo ou um meio termo, permanece um tema nebuloso. A solução da questão talvez surja quando existir uma definição clara de via como arte e/ou obra de engenharia.  Sabemos que a questão não é tão simples assim, contudo esta é só uma ideia que talvez mereça ser discutida.

Emerson